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Ciência sem fronteiras

A maior ponte pedonal suspensa do mundo situa-se no Município de Arouca. Intitulada de “516 Arouca” é uma obra de engenharia notável. Os números impressionam: 516 metros de vão e 175 metros de altura acima do rio Paiva. A segurança é uma prioridade pelo que, antes da construção da ponte, cálculos rigorosos foram realizados tendo em conta, por exemplo, a velocidade do vento e a resistência dos cabos de aço foi testada em laboratório.

Mas imaginemos que em vez destes testes prévios e meticulosa execução, a “516 Arouca” tinha sido construída por curiosos sem qualificação, que desenhariam a obra sem recorrer à matemática, mas apenas a um conjunto de “conhecimentos” vagos e místicos intitulados de “orgulhosamente lusitanos“. Os detalhes do projecto e materiais estariam propositadamente escondidos da avaliação externa de arquitectos, engenheiros e jornalistas. Será que o leitor teria coragem para atravessar essa ponte alternativa?

Lembrei-me desta analogia durante uma recente manhã outonal. Nesse dia as cores vivas das casas da cidade estavam ameaçadas pela abóbada cinzenta. Como tinha apenas algumas moedas para comprar o jornal em papel – hábito quase jurássico – apressei o passo até ao Multibanco mais perto, pois tinha reparado nuns providenciais guarda-chuvas no mini-mercado. Colada na parede estava uma singela folha A4 que conseguiu captar a minha atenção. Nela se anunciava o tratamento de variadas doenças. A lista era tão longa que receio não ter espaço disponível nesta crónica. O sucesso era garantido graças à medicina “oriental”. Já na loja reparo noutra publicidade. Desta vez era uma campanha de angariação de fundos para o tratamento inovador de uma doença grave que só estaria disponível algures no Sudeste Asiático. Folheio, finalmente, o diário e reparo na tentativa de exportação russa da vacina Sputik V sem a aprovação das autoridades europeias.

Como interpretar estes anúncios? Pode cada país ter a sua ciência? Podemos ter medicamentos exclusivos de uma região? Receio estarmos apenas perante fenómenos opacos, que têm pouco de racionalidade e muito de nacionalismo. Tal como não existe uma engenharia civil chinesa ou norte-americana, também não existe medicina portuguesa ou birmanesa.

Se alguém, ou algum grupo, anunciar um tratamento inovador tem de submeter a investigação ao escrutínio da comunidade científica. Foi assim que, por exemplo, erradicámos a varíola e que, mais recentemente, encontrámos novas formas de tratar alguns cancros através da imunoterapia, em que é o próprio sistema imunitário do doente que desempenha o principal papel no combate à doença.

Concluindo, desconfie de soluções mágicas escondidas num discurso nacionalista. A verdadeira ciência não tem fronteiras.

Artigo de opinião – Luís Monteiro, médico especialista em Medicina Geral e Familiar e investigador no grupo Health for All do CINTESIS