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“Crescer a Pedalar”: uma boa ideia

José Miguel Marques

A 18 de Outubro deste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresentou o seu Plano de Ação Global para Atividade Física, pretendendo através do mesmo atingir até 2030 uma meta global de redução relativa de 15% na prevalência de inatividade física.

Como é sabido, o sedentarismo é uma das maiores causas de doenças não transmissíveis da atualidade: doenças cardiovasculares, cancro e diabetes tipo 2. Como tal, nos dias de hoje, promover atividade física não é só uma moda, é um imperativo das políticas de saúde pública, com benefícios que vão muito para além da prevenção dos efeitos diretos da obesidade. A atividade física é capaz de melhorar a nossa dimensão da saúde mental, conferindo proteção ainda contra várias doenças causadoras de declínio cognitivo, como o são as demências.

Contudo, a OMS revela que, em todo o mundo 81% dos adolescentes e 27,5% dos adultos não cumprem os níveis de atividade física recomendados para as suas faixas etárias. Estamos, pois, perante uma pandemia. Uma pandemia global, passo o pleonasmo. E como pandemia que é, o sedentarismo atinge-nos não só numa esfera individual, mas provoca também disrupção a um nível coletivo, com prejuízos óbvios para os serviços de saúde e para a sociedade como um todo.

Ciente destes e outros problemas provocados pelo sedentarismo, a Comissão Europeia promove desde 2015 a Semana Europeia do Desporto, entre 23 e 30 de Setembro, com o objetivo de promover estilos de vida mais ativos e mais saudáveis para milhões de europeus. Sendo esta uma iniciativa à qual muitos dos municípios portugueses aderiu, no caso de Arganil, felicito o município pelas 31 atividades que mereceram as mais de 630 participações do público, e que com a colaboração dos mais diversos parceiros locais, fizeram dessa semana um sucesso.

Porém, sendo importante o êxito dessa e outras admiráveis iniciativas, como a recente prova “Picos do Açor”, importa porém, mantermo-nos ativos durante todas as outras 51 semanas do ano. Até porque segundo dados do último Perfil Local de Saúde do Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Interior Norte (2018), a proporção de utentes inscritos com excesso de peso nos Centros de Saúde do nosso território é praticamente o dobro da média nacional, sendo que índice de sedentarismo dos portugueses é já de si, preocupante. De facto, em Portugal, segundo o Programa Nacional para a promoção da atividade física, 57% da população adulta tem obesidade ou excesso de peso. Mas mais grave ainda: segundo dados do estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI) de 2019, 41,6% das crianças portuguesas entre 6 e os 8 anos de idade têm obesidade ou excesso de peso.

E porque a mudança de hábitos tem efetivamente de partir desde tenras idades, entendo que o projeto “Crescer a Pedalar” recentemente anunciado pelo Município em parceria com Agrupamento de Escolas de Arganil, corresponde justamente ao tipo de iniciativas norteadas pelo Plano de Ação Global da OMS sobre Atividade Física. E mesmo que o projeto “Crescer a Pedalar” reproduza outros programas de âmbito nacional de semelhantes objetivos, não deixa de ser uma iniciativa notável que, sendo simples, dá cumprimento a vários dos famigerados objetivos de desenvolvimento sustentável: estimula a economia circular pois estimula a entrega de bicicletas não utilizadas, antigas, desgastadas ou com necessidade de reparação; promove hábitos de vida saudáveis; sensibiliza para a sustentabilidade ambiental e consciencializa a comunidade para a importância de alterar padrões de consumo; procura e promove sinergias ao envolver, por exemplo, o Curso Profissional de Técnico de Manutenção Industrial do Agrupamento de Escolas de Arganil na verificação e reparação das bicicletas entregues pelas famílias e que necessitem de reparação. Mas acima de tudo, permitirá ensinar e aperfeiçoar os alunos do ensino pré-escolar a “andar de bicicleta” e a fomentar a prática do ciclismo.

O projeto “Crescer a pedalar” é, acima de tudo, uma boa ideia. Que para lá dos vários méritos que elenquei, nem sequer exige propriamente esforço aos cofres do município. É por isso que, ao refletir sobre o mesmo me vem à lembrança o velho paradoxo que relaciona hábitos saudáveis e economia. Nesse sentido, dir-se-ia que um ciclista poderia representar um desastre para a economia do país: não compra carro, seguro ou combustível, não necessita de mecânico, nem paga estacionamento. Não exige grandes estradas e não se torna obeso. No fundo, não contribuiria nada para o PIB do país. Por outro lado, cada restaurante de fast-food criaria vários empregos: cardiologistas, dentistas, especialistas em emagrecimento, além dos próprios funcionários do restaurante. Segundo esta teoria caminhar poderia ainda ser pior para a economia do país, pois quem caminha nem sequer tem necessidade de comprar uma bicicleta… Pois bem, concluo que neste caso, com o Projeto “Crescer a Pedalar”, já nem isso será necessário!

Faço votos que o mesmo possa ser um êxito. Como tal, para a semana entregarei na escola dos meus filhos as duas bicicletas há muito encostadas numa parede lá de casa.

Texto:

José Miguel Marques

Membro da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Arganil