O painel “O Preocupante Deserto de Notícias”, promovido pela Associação Nacional da Imprensa Regional (ANIR), juntou investigadores, autarcas e deputados num debate marcado por alertas sobre a perda de cobertura jornalística em dezenas de concelhos, a expansão de zonas sem meios de informação, o impacto das redes sociais como substituto de notícias e os riscos de dependência política dos órgãos locais.
O investigador Giovanni Ramos apresentou os resultados do segundo relatório nacional que confirma que 45 concelhos portugueses não têm qualquer meio de comunicação local e que outros 38 vivem num regime de informação ocasional ou insuficiente. A situação, afirmou, acompanha tendências internacionais e está concentrada sobretudo no interior e no sul do país.
O painel — composto também por José Miguel Medeiros, Ana Rita Silva, André Rijo e Maurício Marques — discutiu as causas deste apagão informativo, a relação entre autarquias e órgãos locais e os riscos democráticos associados à substituição do jornalismo por comunicação institucional.
José Miguel Medeiros alertou para o perigo de captura política e económica dos meios regionais, defendendo que sem imprensa local não existe democracia local plena. Ana Rita Silva, vereadora na oposição, sublinhou a forma como as redes sociais das câmaras — frequentemente produzidas com conteúdos gerados por IA — moldam a percepção pública.
O deputado André Rijo lembrou que a democracia não sobrevive sem imprensa livre e lamentou o silêncio crescente nos jornais regionais. Já Maurício Marques defendeu que o Estado não pode abandonar o setor e que tem a obrigação de compensar economicamente a quebra de receitas, garantindo independência e escrutínio.
A sessão terminou com um apelo à literacia mediática, à cooperação entre meios e à urgência de políticas que impeçam que mais territórios fiquem sem qualquer cobertura jornalística.
Giovanni Ramos, investigador (LabCom–UBI / Instituto Politécnico de Coimbra) revelou que “stamos no segundo relatório sobre desertos de notícias e é importante explicar que este conceito vem dos Estados Unidos, onde depois da crise económica fecharam mais de 140 jornais e muitas comunidades ficaram sem qualquer cobertura local; adaptámos esse conceito para Portugal, analisando onde existem ou não existem meios próprios e avaliando quando há jornalismo regular ou apenas informação ocasional”.
“Excluímos publicações de câmaras e juntas, revistas institucionais e títulos doutrinários porque isso não é jornalismo; interessa saber quem produz notícias locais de forma regular, e por isso classificámos concelhos como desertos quando não têm nenhum meio, e como semidesertos quando têm apenas um jornal muito esporádico ou uma rádio sem jornalistas no território”, frisou.
Revelando em seguida que há “45 concelhos em desertos de notícias, 38 semidesertos e 87 ameaçados, e isso significa que quase metade do país vive com ausência total ou fragilidade extrema de cobertura; pela primeira vez o digital superou o impresso, com 409 jornais digitais e 399 impressos, o que mostra que a transição para o digital está realmente a acontecer”.
“Nos casos mais graves, como Manteigas, vimos que quando o jornal fechou a população passou a informar-se apenas pelas redes sociais e pela página pessoal do presidente da Câmara; quando uma comunidade depende do Facebook do autarca para saber o que se passa, isso mostra de forma evidente a falta que faz ter um jornal local2, realçou ainda o investigador.
Na sua opinião “não há como combater os desertos de notícias sem pensar no desenvolvimento regional, porque sem empresas, habitantes, anunciantes ou eleitores não há meios que sobrevivam; queremos agora um projeto mais amplo que faça um verdadeiro diagnóstico de quem são, como trabalham e do que precisam os média regionais portugueses”.

Já José Medeiros, presidente da Assembleia Municipal de Ansião (2017–2025) começou por dizer que “sem imprensa local não há democracia local, pelo menos uma democracia que possamos chamar de verdadeira, porque não existe igualdade de oportunidades, nem escrutínio, nem debate; acredito profundamente que a informação é essencial para a vida cívica e que a ausência de jornais enfraquece todo o território”.
“Há uma tendência preocupante para que a imprensa regional fique capturada pelos poderes locais, económicos ou políticos, porque é difícil criticar quem coloca os anúncios; mesmo com a nova legislação, continua a ser preciso criar condições para garantir independência e blindar os jornais destas pressões”, salientou.
Adiantando que “aquilo que vemos hoje é uma autocensura enorme: nos jornais parece que não há guerras políticas, não há polémica, não se passa nada, porque ninguém quer chatear-se com a Câmara; vivemos um tempo antipolítico em que tudo tem medo da polémica e nos esquecemos de que lutámos décadas para poder dizer o que queremos.Recordo como antigamente havia notícias políticas todas as semanas, posições dos vários partidos e debates vivos, e hoje parece que o território está adormecido; o desaparecimento desse espaço de confronto deixa as comunidades mais pobres e mais vulneráveis, porque sem escrutínio não há responsabilidade”.
Por seu lado, Ana Rita Silva, vereadora da Câmara da Batalha (CDS) afirmou que no se concelho o jornal local “transformou-se num boletim municipal, publica apenas as deliberações da Câmara e deixou de ter notícia jornalística; por isso os jornalistas que assistem às reuniões são essenciais para garantir escrutínio, porque têm a obrigação de relatar o que se passa com base nos critérios deontológicos da profissão”.
“Quando alguém da Câmara publica nas redes sociais textos feitos até com o chat GPT, essa é a mensagem que fica e impede as pessoas de criar consciência crítica; a comunicação imediata substitui a reflexão e transforma tudo num rolo compressor de aceitação, e isso preocupa-me muito para o futuro das comunidades”, sublinhou.
No seu entender o jornalismo escrito “responsabiliza quem escreve e dá tempo à fundamentação, ao contrário das redes sociais, onde o importante é atingir contas e gerar impacto imediato; temo que as sociedades futuras fiquem presas a essa lógica e percam a capacidade de analisar informação de forma crítica”.
Para André Rijo, deputado do PS, a importância do jornalismo num Estado de direito democrático “não é negligenciável, e não consigo imaginar uma democracia saudável sem uma imprensa livre; precisamos de garantir que os territórios têm meios que possam escrutinar e informar com independência. A vantagem de falar no fim é que quase tudo já foi dito, mas isso mostra a riqueza do debate; é evidente que o desaparecimento de jornais deixa comunidades inteiras sem voz e reduz a vitalidade democrática”.
Considerando em seguida a imprensa regional como sendo “um pilar de igualdade de oportunidades entre cidadãos, porque permitiu que todos soubessem o que se passava no seu território; quando esse pilar falha, aumentam as assimetrias e diminuem os mecanismos de controlo democrático”.




































































