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Duas aldeias da Guarda contrariam diminuição da população no interior

Os resultados dos censos 2021 vêm confirmar a tendência de despovoamento no interior do país.

No entanto, há exceções à regra. Entre elas encontra-se a União de Freguesias de Figueiró da Serra e Freixo da Serra no concelho de Gouveia, distrito da Guarda.

Ao longo dos últimos dez anos, estas duas aldeias inseridas no Parque Natural da Serra da Estrela não conseguiram só fixar uma parte significativa da população mais jovem mas também atraíram novos moradores.

Contando com um crescimento de 4,4% a freguesia na encosta Norte da Serra foi a única no concelho que teve um aumento populacional. A variação é pequena mas ainda assim significativa, tendo em conta que as aldeias vizinhas perderam em média 12,6% da população no mesmo espaço de tempo. Na região das Beiras e Serra da Estrela, só 10 de 266 freguesias contam com um desenvolvimento populacional estável ou positivo.

O crescimento local centra-se sobretudo em Figueiró da Serra, aldeia que integra a rede das Aldeias de Montanha, está ligada à Grande Rota das Aldeias Históricas e à futura Rota do Estrela Geopark.

Por um lado, a aldeia conseguiu fixar uma parte significativa da população jovem. Por outro lado, conta com um interesse crescente por novos moradores portugueses e estrangeiros.

A vida ativa na aldeia é visível e palpável: Uma mercearia tradicional, o ATL e os dois cafés são só alguns dos sinais. Elisabete Guerrinha, presidente da Junta, e ela própria mãe de dois dos residentes mais jovens, está convencida que a postura de abertura das partes da Junta e da comunidade contribuíram para este desenvolvimento: “Somos uma terra hospitaleira, para além do saber bem receber existe ainda o querer sempre agradar. Por seu lado, a junta de freguesia mantém contacto estreito com os estrangeiros que se vão fixando, organizando aulas de português ou ajudando-os com os papeis necessários.“

O sentimento de comunidade é referido como uma das principais razões por optar pela vida em Figueiró. Tiago Coelho e Maria José Ventura, ambos professores em Oliveira do Hospital, sendo ela natural da aldeia, optaram por criar aqui as duas filhas, ficando próximos e apoiando familiarmente ao negócio que os pais de Maria José construíram. “Foi uma decisão puramente sentimental“, comenta Tiago. “Identifiquei-me com a aldeia. Fui bem recebido pelas pessoas e sinto-me bem aqui.“

Susana Fontan instalou a sua oficina de costura em Figueiró da Serra. Mudou-se para Freixo da Serra junto com o companheiro, o carpinteiro Tiago Gaspar. Ambos trabalham com materiais locais mas não é apenas por isso que têm a sensação de estar no sítio certo. “Um lugar como este realiza-me, coloca-me onde quero estar na vida.”, afirma Tiago. “E as circunstâncias, apesar de voláteis, também fazem parte do sentido que encontro nos dias: terra, gentes, amigos, e o conforto de viver o melhor de dois mundos. As fronteiras são largas quando temos um horizonte como o que cá se encontra!”

Para muitos, a pandemia veio reforçar este sentimento. Semanas passadas num apartamento pequeno e filas longas no centro de vacinação são realidades distantes. Ao mesmo tempo, a instalação da rede de fibra óptica em 2019 reforçou as possibilidades de trabalhar remotamente, como é o caso do casal alemão Nik Völker e Corinna Lawrenz que ligam o trabalho digital a um projeto de agricultura biológica.

As boas ligações são também um fator importante para quem decidiu ficar. Elizabete Soares Cairrão nasceu na aldeia e optou por ficar cá com o marido Paulo, oriundo da Moita. Ela refere que “ainda ponderámos viver em Viseu mas acabámos por decidir ficar. Vamos frequentemente a Viseu ou à Guarda e quando queremos viajar, é fácil ir para Espanha ou para o Norte do país. Mas foi importante para mim estarmos próximos da família e dos pais para poder ajudá-los no futuro.” Por seu lado, a família de Paulo gosta de vir passar as férias, usufruindo as praias fluviais no verão ou a neve no inverno.

Apesar da proximidade às cidades, a comunidade conseguiu preservar recursos naturais e uma paisagem cultural que Elisabete Guerrinha considera importantes para a fixação dos mais novos: “Os terrenos férteis, a água de consumo com gestão própria e de excelente qualidade, a água de regadio abundante, são um excelente atrativo para quem pretender viver com um complemento de produção de agricultura familiar.“

Júlio Teles Cardoso é uma das várias pessoas que continuam a trabalhar nas terras nos seus tempos livres. Saiu da aldeia natal para viver em Lisboa durante algum tempo – e regressou. Diz que “foi por opção. Vim porque gosto muito mais de estar aqui. Além disso, ganhando o mesmo ordenado, posso ter uma vida bem melhor aqui.“

Embora os resultados dos censos mostrem claramente que o desequilíbrio entre litoral e interior continua, exemplos como o de Figueiró da Serra e Freixo da Serra – mas também os de outras aldeias em Portugal e em toda a Europa – mostram que não se trata de um caso perdido e que as soluções podem ser várias: Aqui, às boas condições já existentes juntaram-se a resiliência e a grande abertura da comunidade.