Raúl de Sousa – Presidente da APLO e Perito do Grupo Externo de Revisão da Tecnologia Assistida na Área da Visão da OMS
A inexistência de cuidados primários para a saúde da visão no Serviço Nacional de Saúde (SNS), as gigantescas listas de espera para consulta hospitalar da especialidade de oftalmologia no SNS, a força de trabalho mal planeada com exclusão dos optometristas, as práticas ultrapassadas e uma total ausência de estratégia, planeamento ou concertação fazem com que não exista uma verdadeira cobertura universal de saúde em Portugal.
Em Portugal, 260 mil pessoas sofrem perda de visão moderada a grave e 42 mil sofrem de cegueira. Dois milhões de pessoas têm dificuldade em ver e um milhão sofre de erros refrativos.
Devemos questionar-nos por que motivo o SNS continua a falhar não assegurando cuidados primários para a saúde da visão. Porque falha o Estado Português em não assegurar a proteção dos utentes de pessoas sem as qualificações para a prática de atos optométricos. Porque falha o Ministério da Saúde em não assegurar o acesso aos cuidados primários para a saúde da visão. Porque falha em não assegurar cuidados para a saúde da visão atempados. Porque falham os Optometristas por cumplicidade com todas estas situações. Só reconhecendo porque se falha, é possível encontrar soluções e implementar estratégias bem-sucedidas.
Não podemos pactuar com inércia de quem decide, com corporativismo de interesses instalados, com esquemas formativos ilusórios e com interesses comerciais que se sobreponham aos interesses dos utentes. Não aceitaremos, nem cederemos um milímetro na defesa de quem sofre de deficiência visual e cegueira nas infindáveis listas de espera do SNS, das crianças prejudicadas no seu desenvolvimento porque não lhes foram prestados atempadamente os devidos cuidados, dos idosos que mergulham no isolamento e perda de autonomia devido à deficiência visual, dos adultos que não veem para sustentar os seus e de todos os utentes que são defraudados por quem usurpa a nobre profissão de Optometrista.
A luta contra a deficiência visual e cegueira evitável foi, e continuará a ser, uma batalha perdida pelo SNS, caso uma verdadeira estratégia não seja adotada.
A saúde da visão é uma componente essencial da cobertura universal de saúde, deve ser incluída no planeamento, definição de recursos e prestação de cuidados de saúde. A cobertura universal de saúde não é universal sem cuidados para a saúde da visão acessíveis, de qualidade e equitativos.
Para assegurar cuidados de saúde abrangentes, incluindo promoção, prevenção, tratamento e reabilitação é necessária uma ação intersectorial coordenada, para melhorar de forma sistemática e definitivamente a saúde da visão da população, assim como em iniciativas de envelhecimento saudável e literacia para a saúde da visão, nas escolas e locais de trabalho.
No que respeita aos cuidados para a saúde da visão, este é um SNS que sofre de cegueira seletiva às soluções existentes. Enquanto alguns não quiserem ver, muitos outros irão cegar.
Raúl de Sousa
Presidente da APLO e Perito do Grupo Externo de Revisão da Tecnologia Assistida na Área da Visão da OMS