Num encontro promovido recentemente pelo Núcleo de Investigação em Enfermagem (NIE) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), foram apresentados os resultados provisórios de estudo qualitativo que retrata as experiências vividas por profissionais do CHUC.
Neste estudo, subordinado à temática “Cuidar em Pandemia”, que está a ser conduzido pelo NIE do CHUC, em parceria com a Unidade de Psicologia Clínica do CHUC e a Health Sciences Research Unit: Nursing (UICISA: E), acolhida pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), participaram enfermeiros, médicos e assistentes operacionais do CHUC.
“O trabalho resulta de entrevistas que foram realizadas entre maio e julho de 2020, a profissionais voluntários que cuidaram de pessoas infetadas ou que foram eles próprios infetados com a COVID-19. Da análise das entrevistas emergiram significados diversos, agrupados em torno de quatro temas centrais: o “Eu” (pessoa e profissional), “Os Outros” (doentes), “Os outros como Eu” (equipa de saúde) e, não menos importante, “Os meus” (família)”, anuncia o CHUC.
António Marques, enfermeiro gestor em funções de direção e coordenador do NIE, dá nota de que o “sentimento de missão é transversal a todos os profissionais entrevistados onde o cuidar dos outros foi encarado como um desígnio da profissão que escolheram, imbuídos de um forte espírito de equipa, que levou a que muitos se colocassem em risco para acautelar a proteção de colegas, cuja saúde era mais frágil. Amenizar a solidão dos doentes foi um dos principais focos de atenção dos profissionais.”
E continua dando nota de que foram evidentes as diferentes formas de reagir, reproduzindo algumas das “expressões mais usadas pelos profissionais alvo do estudo e que denotam bem o que foi “a experiência de cuidar num ambiente de incerteza e de mudança constante, no qual reinava, no início, o medo, pouco depois seguido por um ambiente impregnado de “um silêncio de morte”, foi gerador de intensas alterações emocionais”.
“Havia um certo desespero de não conseguir dar resposta”. O uso de todo o equipamento de proteção individual foi também referido como elemento bloqueador no estabelecimento de uma boa comunicação e relação empática e de ajuda. “Muitas vezes era preciso gritar para que os doentes nos ouvissem, o que nos levava ao esgotamento e a um sentimento de impotência de transmitir afeto pelas palavras, revela.
Outras temáticas que também foram referidas pelos profissionais foi “a pressão social e o estigma sentido por alguns profissionais, por parte dos vizinhos”, tendo muitos passado a resguardar-se mais em casa, para evitar olhares inquisidores e sentimentos incómodos”, refere.
O Coordenador do NIE, dá ainda nota de que “alguns profissionais chegaram mesmo a ser medicados para a ansiedade ou depressão, tivemos pessoas que na primeira vaga, se viram forçados a meses de isolamento em suas próprias casas, separados de todos, inclusivamente, da sua família.” E continua referindo que outra questão exposta por estes profissionais foi a “limitação inicial de recursos materiais e de equipamentos, nomeadamente de proteção, que afetou a prestação de cuidados, nomeadamente o número de interações com os doentes.”
Áurea Andrade reconhece as dificuldades vividas por todos face ao desconhecido e salienta que houve questões que foram muito valorizadas pelos profissionais “como a relacionada com a liderança e a gestão que se tornaram muito manifestas e preponderantes neste âmbito, particularmente pela proximidade dos líderes e pela forma como acompanhamos a situação no terreno. Já em sentido contrário, foi-nos
relatada a dificuldade em serem testados, sobretudo no início, e a forma como foi gerida a comunicação dos resultados dos testes, a qual melhorámos muito ao longo do tempo, tendo sido muito valorizado o contacto personalizado que, entretanto, fomentámos com os profissionais infetados”.
Garante, ainda, Áurea Andrade que “a forma abnegada e articulada como todos os profissionais, dos mais variados serviços do CHUC – clínicos, serviços de apoio e logística, unidade de prevenção e controlo de infeção e gestão do risco – foram fundamentais para dar a melhor resposta aos profissionais da primeira linha. É certo que os desafios que tivemos de enfrentar foram enormes, mas, com trabalho em equipa e em articulação com o gabinete de crise fomos conseguindo dirimir as dificuldades que se nos apresentavam e antecipar os problemas.”
Este estudo salienta ainda, “a existência de um sentimento globalmente positivo e de “dever cumprido”, contrastando com uma elevada carga emocional, familiar, com mudanças de comportamento (saúde mental) dignos de registo e a merecer ainda a nossa atenção “, conclui Áurea Andrade.