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Fim da Portugal Film Commission enquanto entidade interministerial coloca projeto da promoção do cinema em Portugal em risco

Exmo. Sr. Ministro da Cultura,

Dr. Pedro Adão e Silva,

Vimos, respeitosamente, pelo presente ofício, dirigir-nos a V. Exa., no sentido de tentar obter por parte de V. Exa. um esclarecimento sobre qual a posição do Governo e do Ministério da Cultura sobre a Portugal Film Commission.

A Portugal Film Commission foi criada em 2019, com vários objetivos, entre os quais promover o país como um destino internacional de produção de filmagens e propor um modelo definitivo para uma futura Portugal Film Commission. Esta estrutura de missão tinha uma duração de três anos – de maio de 2019 a maio de 2022 -, tendo sido aprovado um prolongamento até ao final deste ano.

A escassos dias desta estrutura de missão cessar funções, a diretora executiva da PFC, Sandra Neves, admitiu recentemente à Lusa, que desconhece o futuro desta associação, a partir de 01 de janeiro de 2023. Segundo a diretora, foram apresentadas, por duas vezes, propostas de modelo para uma futura Portugal Film Commission e também para uma revisão do sistema “cash rebate”, destinado a atrair produções internacionais para Portugal, sem que, até à data, tivesse obtido qualquer feedback.

Propôs-se ainda que esta estrutura de missão fosse prolongada até ao final de 2023, para que coincidisse também com a conclusão do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema.

Acresce que, neste clima de grandes incertezas circula, informalmente, o rumor de haver a intenção de manutenção da PFC, integrando-a num departamento do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisuais e de extinguir a sua relação interministerial em articulação também com o Turismo de Portugal. Pelo exposto, vimos, proactivamente, dar nota da discordância desta intenção, posição que assenta nos seguintes considerandos:

• A integração de uma instituição que promove de forma inequívoca o país enquanto destino de filmagens, com o modelo de incentivo comprovadamente de sucesso do TAX Rebate, apenas teve o retorno demonstrado dos últimos 3 anos e meio, por ser um instrumento que articula a promoção territorial em articulação com as ERT’s de forma ágil e autónoma das estruturas mais burocráticas que dependem de um só organismo ministerial, que por sua vez terá de articular superiormente com outros a envolver no tema;

• Mesmo que haja continuidade do exercício da atividade em moldes similares aos atuais, a PFC ficará resumida e limitada a ser “apenas mais um departamento do ICA” e, como tal, sujeito à hierarquia e organização de um instituto na tutela direta e exclusiva da Cultura, perdendo assim o caráter transversal que atualmente apresenta ao reportar e agregar duas tutelas e dois setores: cultura e turismo;

• Mesmo que se alegue a continuidade de tutela do turismo e cultura, jurídica e legalmente, do ponto de vista organizacional tal esquema parece-nos impossível. Qualquer decisão da PFC passaria a estar sujeita sempre à validação pela Direção do ICA ou Presidente e Vogais do Turismo de Portugal, que não apresenta qualquer relação hierárquica, tutelar ou de superintendência, com o setor do Turismo e da Cultura, respetivamente;

• Quanto a alegadas questões financeiras, parece-nos que esta solução é apenas uma disfarçada panaceia. Senão vejamos: 

– O Fundo de Apoio ao Turismo, que atualmente suporta a atividade da PFC, termina em 2023, sendo que o mesmo prevê um fee de gestão à estrutura PFC. O Fundo passaria a suportar em 2023 um fee de gestão de um departamento formal e institucional do ICA? E quando o Fundo terminar, como continuará a ser suportada financeiramente a PFC? 

– O ICA não dispõe, atualmente, de orçamento para suportar a PFC no futuro – tal como o dita a experiência, com o primeiro projeto PFC que foi criada em 2001, 2002 e terminou em 2005, como um departamento no ICA e terminou sem qualquer sucesso, por não existir orçamento nem recursos humanos para alocar ao projeto. Este foi o motivo pelo qual, em 2005, foi elaborado um estudo pelo TP, AICEP e ex-ICAM (atual ICA), do qual resultou a proposta de uma PFC como estrutura autónoma, sob pena de voltar a ser um projeto sem sucesso. Foi esse estudo que esteve na génese da criação da atual estrutura e da ideia de uma entidade autónoma a reportar a duas tutelas, para as quais a sua atividade tem impacto direto;

• Temos informação de que a estrutura da PFC sobrevive, perfeitamente, apenas com um cargo de direção, facto que permite, só por si, permite reduzir despesas, já que todas as demais continuariam a ser necessárias mesmo dentro do ICA;

Do ponto de vista de articulação com o setor e parceiros, tais como, as film commissions regionais, acreditamos que:

• esta solução contribuirá para a perda de autonomia, capacidade de resposta e rapidez de ação e decisão de que o setor necessita, porque inserida numa estrutura muito burocratizada (que não se coaduna com a exigência da atividade da PFC);

• tratar-se-ia sempre de um departamento de um Instituto Publico a tentar obter parcerias com entidades terceiras e a tentar responder a questões de licenciamentos e afins, junto de outras entidades da administração pública.

Legalmente e institucionalmente, parece-nos difícil que um departamento possa assumir essa responsabilidade. Os processos teriam de obedecer a um conjunto de passos e hierarquias institucionais, que não se compadecem com a agilidade necessária a este setor;

• não existe qualquer histórico de colaboração ou cooperação do ICA com entidades do setor, tais como, as film commissions regionais, algo que já há muito podia e devia ter sido feito, não tendo havido, contudo, capacidade para o fazer;

• ficará resolvida a questão de financiamento da PFC em 2023, dado que o ICA considera a entrada do valor que advirá do Fundo para o fee de gestão da PFC nas suas contas próprias (até agora como transferência de terceiros e para entidade terceira). Mas como será acautelado esse financiamento após 2024?

Até ao momento, não se conhece a resposta;

• o plano de atividades que agora é elaborado em articulação com as várias atividades de relevo para o setor (e que se entende que deverá ser articulado com os demais players, tais como, as Film Commissions Regionais, as Entidades Regionais Turismo, entre outras) e submetido diretamente a aprovação por ambas as tutelas, passa a ser um plano submetido ao presidente do ICA que valida (ou não) e é este que o submete à sua tutela – apenas a Cultura – que, eventualmente, articulará com a Economia/Turismo. Sentimos que este circuito exigirá maior burocracia, menor articulação, e consequente perda de capacidade de desenvolvimento e crescimento;

• entendemos que será difícil para a PFC continuar a defender e articular, com as diferentes entidades, a desmaterialização e a desburocratização, quando passará a integrar uma entidade que não tem acompanhado, como se recomenda, as tendências de modernização e digitalização.

Pelo exposto, vimos propor a V. Exa. alguns contributos para o debate do futuro da PFC:

• manter a ligação interministerial, que demonstrou ser uma aposta de sucesso;

• manter a sua autonomia, quer na atividade, quer perante os demais parceiros do setor;

• assumir-se como uma entidade desburocratizada, cumprindo sempre todas as regras legais a que está sujeita, como sempre fez;

• estreitar e reforçar os laços com os parceiros, ao invés de os afastar com esta centralização da atividade e burocratização da mesma;

• incentivar e dinamizar a descentralização territorial das atividades e procedimentos, que seria dificultado caso inserida numa entidade da administração central.

É do nosso conhecimento que, em abril de 2022, foi apresentada às tutelas uma proposta de estrutura definitiva, de cariz associativo, conforme superiormente solicitado, sendo esse o caminho que estava a ser equacionado (aliás, assumido deste a criação da sua estrutura de missão). Sabemos que essa proposta nunca foi discutida com a PFC, nem sequer foram equacionados ou negociadas quaisquer eventuais alterações ou ajustes.

Desde a sua génese, a estrutura PFC nunca foi pensada para funcionar dentro de um organismo público já existente, dado o facto de já ter existido neste formato, durante 2 ou 3 anos, com insucesso. Estamos certos da importância incontornável do ICA e do seu extraordinário trabalho, que não pretendemos de forma alguma por em causa.

Tememos, no entanto, que, nas condições atuais, este não tenha organização, estrutura, orçamento ou RH para garantir o sucesso da PFC.

Por todos estes motivos e por acreditar que este projeto pode ser verdadeiramente essencial à criação de um pilar económico decorrente do setor fílmico – temos o exemplo da vizinha Espanha, que tem aumentado substancialmente os apoios, por via de um tax incentive com um capital por projeto na casa dos 20M€, com um crescimento deste setor a olhos vistos, e com todos os inerentes investimentos transversais associados – estúdios, empresas de serviços, entre outros -, parece-nos essencial que seja reconsiderada esta solução.

Neste momento a PFC tem condições de ser prorrogada por mais um ano, com a estrutura que tem, mantendo a sua missão, acompanhando o tempo de vida do Fundo.

Este ano permitiria a análise detalhada e fundamentada de todas as possibilidades, do ponto de vista operacional, logístico e financeiro e permitiria avaliar com maior detalhe o posicionamento do turismo versus cultura. Até porque o próprio estudo solicitado à PlanApp, sobre os efeitos do cash rebate e, consequentemente, também da PFC, só estará terminado em meados de janeiro/fevereiro.

Solicitamos a V. Exa. que, face a todos os considerandos aqui apresentados, possa adotar uma postura de franco diálogo, tanto com a PFC como com as Film Commissions RegionaisDo teor deste ofício damos conhecimento aos diferentes Grupos Parlamentares com assento na Assembleia da República.

Texto:

Centro Portugal Film Commission

Alentejo e Ribatejo Film Commission

Arrábida Film Commission