“Bem jogado”, “Passa a bola”, “É tua”, “Vai tu” – são apenas alguns exemplos de imperativos que ouvem os jovens futebolistas quando têm a bola nos pés. É esse o momento que agita os corações, pequenos e grandes, e nesse instante caímos na ilusão que tudo é possível, que os sonhos são alcançáveis e que o turbilhão de emoções nos trará a maior das felicidades.
Todos os jovens atletas, admitindo ou não, sonham um dia ser um herói nacional, um rei do futebol. Todos os sonhos precisam ser regados, e este é regado com as expetativas, a motivação, os incentivos e sobretudo com o amor. Um sonho deste calibre torna-se maior porque tem um fundamento, fortíssimo, quase imbatível – A identidade Nacional – porque é ela o elemento dominante do nosso orgulho português.
Segundo Mattoso, Identidade Nacional é o conceito que sintetiza o sentimento dos indivíduos de pertencer a uma nação. Expressa-se positivamente enquanto união e empatia entre pessoas do mesmo país. Fortalece o vínculo entre a população e a pátria e, na criação da identidade individual, é essencial na constituição psicológica do indivíduo. A identidade nacional permite-nos sistematizar os seguintes diferentes elementos: o território, a(s) história(s) comum(s), a cultura popular, direitos e deveres legais e uma economia comum. No futebol conseguimos consolidar todos estes elementos num momento, numa pessoa, numa equipa ou num sonho.
E o que acontece quando os nossos guerreiros entram na batalha pelo sonho? A força do coração pode mover montanhas, sobretudo quando envolve o tesouro mais valioso que o ser humano pode ter – os filhos. Estes dois componentes: família e orgulho nacional já são suficientes para plantar e depois recolher um fruto do tamanho da lua.
Só assim se explica o comportamento dos pais nas bancadas, com gritos e insultos, ou num sofrimento mudo e solitário. O apoio incondicional vai desde simples aplausos até ao esforço tremendo de dedicar o seu pouco tempo livre a acompanhar os filhos nos treinos e jogos, por vezes a horas indecentes. Durante a pandemia essa adrenalina de luta pelo sonho foi retirada aos pais. Até dava para sentir a dor daqueles que foram privados do seu direito de ver os filhos jogar, mas os pais portugueses são imbatíveis, criaram nas redes sociais um grupo: “Quero ver o/a meu/minha filho/a Jogar!”, onde partilhavam os seus sentimentos e colocavam fotografias a mostrar as suas imensas tentativas de atravessar muros, redes, e até florestas para poder estar mais perto do sonho.
O caminho pelo sonho é longo, acidentado e cheio de armadilhas, onde encontramos pessoas extrovertidas, introvertidas, invejosas, sociáveis, arrogantes, tímidas, alegres, agressivas, etc. E não nos podemos esquecer daqueles que, por uma razão ou outra, estão fora da febre do futebol, e que não percebem como a corrida atrás da bola produz tanta emoção na vida das pessoas. Estão fora talvez porque a sua adrenalina seja ativada por estímulos diferentes, e por isso jamais entenderão este drama.
Ao leme desta crença sobressai a silhueta do Cristiano Ronaldo, que se tornou um símbolo nacional: da simplicidade, da união, da fraternidade, da persistência e da esperança. Mas o perigo nesta aventura está constantemente à espreita, porque o coração não tem limites e por vezes não consegue travar.
Os pais têm um papel crucial neste processo, têm de saber lidar com as emoções, primeiro as suas, para depois gerir as dos filhos. Os tempos pós-Ronaldo serão bem mais difíceis pois teremos de enfrentar as raízes da nossa identidade e talvez redefini-las para bem de todos.
E agora, no Outono, quando recomeçam as épocas e os campeonatos, as bancadas vão se enchendo de novo com cabeças sonhadoras, e os relvados vão sendo calcados por centenas de pés, prontos a marcar golos e a fazer os corações lutar pela felicidade.
Tudo isto porque o sonho comanda a vida, e o Ronaldo comanda o sonho.
Texto – Anna Leal, docente no ISCE Douro – Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro.