Começou ontem, no Teatro Municipal da Guarda, a 5.ª edição do Fórum de Turismo Interno “Vê Portugal”, que durante dois dias vai debater as questões relacionadas com o turismo dentro do país.
A sessão de boas-vindas contou com intervenções de Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal da Guarda, Carlos Abade, administrador do Turismo de Portugal, e Pedro Machado, presidente do Turismo Centro de Portugal.
Pedro Machado, recordou a génese deste encontro anual, promovido pelo Turismo Centro de Portugal.
“O Fórum Vê Portugal nasceu há cinco anos para discutir os problemas que mais afetam o turismo no Centro de Portugal: a sazonalidade, a baixa estadia média, a litoralização da procura turística. Felizmente, são problemas estruturais que estamos a ultrapassar”, considerou.
“Esta região cresceu 26,6% na procura de estrangeiros no ano passado, um ano particularmente difícil por causa dos incêndios. E cresceu 68,4% fora da época alta, o que significa que a procura fora dos picos tradicionais é cada vez mais importante. Hoje há um conjunto de tendências da procura que vão além do sol e praia. O turismo de Natureza, o turismo de património e cultura, o turismo ativo, o turismo enogastronómico, o turismo de wellness e bem-estar são procurados por cada vez mais visitantes, numa importante alteração no perfil da procura”, destacou.
Pedro Machado salientou também a importância do reforço da cooperação e do trabalho em rede com Espanha, iniciada em janeiro de 2017: “Juntos, Portugal e Espanha são o maior mercado mundial em termos de procura”.
Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal da Guarda, contestou a ideia veiculada por alguns de que começa a haver turismo a mais em Portugal. “Turismo a mais? Disparate! Como presidente da Câmara Municipal, digo: ‘Venham todos para cá!’”, frisou, antes de destacar os números de crescimento da sua cidade: “A Guarda subiu 76% em visitantes nos últimos quatro anos, de acordo com os registos do nosso Welcome Center”.
Na sua intervenção, o autarca lançou o desafio: é necessária uma “estratégia de desenvolvimento turístico do interior, para que Portugal seja o melhor destino turístico do mundo também em zonas de interior”. Até porque, como considerou, “a disputa entre litoral e interior acabou. O interior é hoje uma causa nacional”.
Carlos Abade, administrador do Turismo de Portugal, fundamentou a sua intervenção na importância do turismo interno. “O turismo interno é o maior mercado de turismo nacional, com um peso superior a 50% no Alentejo e no Centro de Portugal. Fazê-lo crescer é decisivo para o desenvolvimento da economia regional”, disse.
O primeiro painel prometia uma conversa estimulante e o resultado excedeu as expetativas, graças à pertinência do tema – “Turismo de Natureza: Que Desafios Para a Sustentabilidade?” – e à qualidade dos intervenientes.
O debate contou com intervenções de Domingos Xavier Viegas, Coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e autor do relatório sobre o incêndio de Pedrógão Grande; Paulo Fernandes, presidente da Câmara do Fundão e da ADXTUR – Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto; Viriato Garcez, diretor de Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Centro; e Paulo Pedrosa, CEO da A2Z, morador na aldeia da Ferraria de São João e grande impulsionador da Zona de Proteção desta aldeia.
O professor Xavier Viegas deu o mote, lançando a discussão sobre o impacto dos incêndios florestais de 2017 e apontando caminhos para que as tragédias possam ser evitadas.
“Os incêndios florestais são uma das maiores ameaças para o mundo rural. Põem em causa a segurança das pessoas, o património e afetando todas as atividades, incluindo o turismo”, salientou.
“O turismo é uma das maiores riquezas do país e a segurança é um dos fatores de atração do país. Os incêndios prejudicam esta imagem”, lembrou.
Para o especialista, o grande problema é que “o país tem vivido como se o problema não existisse. 2017 mostrou que o pais é vulnerável e que os incêndios podem atingir qualquer pessoa, em qualquer sítio do país”.
A solução, indicou, passa pela consciencialização das populações, das pessoas.
“Os incêndios são uma questão de cidadania. Qualquer processo de resolução tem de passar pelas pessoas, não podemos esperar só pelo Estado. As situações podem repetir-se, mas as consequências não se podem repetir. Temos de nos organizar para enfrentar o problema”, considerou.
Paulo Fernandes acrescentou elementos à discussão, afirmando que “a dicotomia incêndios rurais e urbanos perdeu-se”.
“As zonas periurbanas, que antes estavam ocupadas, foram perdendo atividades e ficando abandonadas ao longo do tempo, fazendo com que os incêndios entrem em grande força nas aldeias, vilas e cidades”, alertou.
“A Natureza não para. Todos os dias crescem plantas que não queremos. Atuar sobre a paisagem é um desafio. Não podemos esperar que a Natureza resolva o problema”, defendeu, recordando que o incêndio de outubro não entrou no Fundão “por causa das cerejas”.
Depois de Viriato Garcez ter salientado a atuação do ICNF, nomeadamente através do site Natural.pt, foi a vez de Pedro Pedrosa contar a experiência que viveu em junho, quando a aldeia da Ferraria de São João se viu cercada pelas chamas, e o que está a ser feito desde então, na zona de proteção da aldeia.
“Portugal e o sul da Europa vão continuar a arder. O problema dos incêndios é social. É precisamente aí que merece a nossa reflexão”, disse. Para isso, é necessário “capacitar as pessoas” das aldeias e fazê-las “acreditar que é possível fazer acontecer”.
“Turismo de Interior – Desafios e Tendências” foi o tema do segundo painel. Moderado pelo urbanista, arquiteto paisagista e engenheiro agrónomo, Sidónio Pardal, o painel contou com intervenções de Francisco Martín Simón, Diretor Geral do Turismo da Junta da Extremadura (Espanha); Jorge Monteiro, Presidente da ViniPortugal; Paulo Romão, responsável pelo projeto Casas do Côro; e João Paulo Catarino, Coordenador da Unidade de Missão para a Valorização do Interior.
Francisco Martín Simón destacou na sua intervenção o trabalho conjunto que tem sido feito pelas regiões portuguesas Centro de Portugal e Alentejo e a região espanhola da Extremadura na eurorregião EUROACE. Citando Fernando Pessoa, o dirigente espanhol frisou que “não é possível uma futura civilização portuguesa nem espanhola, é possível uma futura civilização ibérica”.
Esta colaboração estreita entre as três regiões na área do turismo vai estar em foco este mês, com uma participação conjunta na Feira ITB de Shanghai. O objetivo final é “criar riqueza e emprego nas três regiões”, considerou.
Jorge Monteiro dedicou a sua participação à importância do enoturismo, que é “uma oportunidade de desenvolvimento para o interior”. Dando o exemplo da Califórnia, em que 20 por cento das receitas dos produtores de vinho em já do turismo, elencou as vantagens nesta aposta: “O ecoturismo não pode ser um turismo de massas. É mais do que beber vinho, é conhecer, experimentar e viver o vinho”.
Paulo Romão contou a história de 18 anos das Casas do Côro, um exemplo máximo de sucesso de um investimento numa zona do interior profundo. “Tivemos de criar um destino. Para isso, desviámo-nos do convencional e criámos um projeto para tudo e para todos”.
Finalmente, João Paulo Catarino elogiou as vantagens competitivas que o interior pode oferecer: “Quando visitamos as cidades europeias, verificamos que a homogeneização é evidente. No interior, oferecemos autenticidade”. “Para aumentarmos os visitantes em Portugal, temos de alargar o território que recebe turistas para zonas menos visitadas”, sublinhou. “Os turistas que vêm cá procuram a natureza, a biodiversidade… Poucos países no mundo podem oferecer tanto como nós. Falta-nos ensinar o caminho para o interior a quem chega a Lisboa e Porto. Se pudermos acelerar esse processo, ganharemos todos com isso”, sintetizou.
O primeiro dia de trabalhos encerrou com o terceiro painel, dedicado ao tema “Inovação, Competitividade e Coesão”. Moderado pelo jornalista da RTP Jorge Esteves, o painel contou com intervenções de Ana Abrunhosa, Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro; Luís Veiga, CEO da Natura IMB Hotels e do IMB Group (H2otel, Puralã – Wool Valley Hotel&Spa, Hotel Lusitânia Congress&Spa, Hotel Vanguarda, Covilhã Parque Hotel, Clube de Campo da Covilhã e a IMB-Imobiliária); Ana Jacinto, Secretária Geral da AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal; e Carlos Costa, Professor Catedrático e Diretor do Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo (DEGEIT) da Universidade de Aveiro.
A conversa foi animada, com Ana Abrunhosa a elencar algumas das medidas que têm sido tomadas no sentido de aumentar a competitividade e a coesão da região Centro de Portugal, através dos variados programas de apoio.
Luís Veiga norteou a sua intervenção pela denúncia de “custos de contexto” que penalizam que pretende investir no interior, nomeadamente as auto-estradas, o preço da água, a taxa de ocupação de gás natural, a derrama e outros, e chegou a apelar a uma “desobediência civil” relativamente às portagens. “É altura de as SCUT voltarem a ser o que eram antes da crise”, sustentou.
Ana Jacinto apresentou alguns dos programas com que a AHRESP tem apoiado a internacionalização das empresas de atividade turística, promovendo os produtos endógenos das regiões e a rede de restaurantes portugueses no mundo.
Carlos Costa, entre vários assuntos que trouxe ao debate, sublinhou a mudança de paradigma no turismo introduzido pelas companhias de aviação de baixo custo, que levam cada vez mais turistas a descobrirem as cidades. “Estão a chegar novas forças económicas às cidades. Turismo é a economia a entrar nas cidades, os turistas trazem-nos rendimento. Não temos petróleo, temos turistas. Temos gente a mais a chegar? Temos gente, precisamos é de saber geri-las”, defendeu.