Está a comemorar-se o quinto centenário da viagem de Fernão de Magalhães à volta do Mundo, que revelou a imensidão desconhecida do nosso planeta. Este enorme legado do navegador português foi muito para lá da viagem (que ele não terminou) que, em si mesma, é considerada como uma das grandes epopeias da Humanidade. Isso mesmo é referido na obra intitulada “Fernão de Magalhães – O mar sem fim”, da autoria de Manuel Villas-Boas, publicado pela editora By the Book.
Ao descobrir o estreito (batizado com o seu nome) que liga o Atlântico com o Pacífico, tornou possível a circum-navegação. Mas o cunho magalhânico perdura na designação de muito do que foi, então, avistado: temos os “Pinguins Magalhães”, as “Nuvens de Magalhães” e, na Micronésia, o Arquipélago de Magalhães. Na região de Mactan (ilha das Filipinas onde Magalhães foi morto pelos nativos) ainda se assinala a morte de Fernão de Magalhães. E em 1989, passados 468 anos sobre a sua viagem, foi atribuído o seu nome (Magellan) à Sonda que explorou o planeta Vénus. Com este gesto e esta denominação, a NASA honrou o nome do navegante e perpetuou a sua memória, numa homenagem que se estende à designação atribuída às maravilhosas “crateras de Magalhães”, em Marte.
Mas quem foi este homem, nascido em Sabrosa em 1480, educado na corte da rainha Dona Leonor e que parte, com 25 anos, para as Índias Orientais?
Podemos dizer que em seu torno há algum mistério.
Desde logo por ter sido ao serviço de Carlos I, rei de Espanha, que fez a sua histórica viagem. Para uns terá sido um espião: «O navegador português Fernão de Magalhães não terá sido um traidor ao seu país, ao promover uma expedição às Molucas sob a égide do rei de Espanha Carlos I (futuro imperador Carlos V). Pelo contrário, terá sido um agente secreto de D. Manuel I, para que Portugal pudesse vir a negociar com a Espanha, em condições mais favoráveis, a aquisição das Molucas. O que, como escrevem José e António Mattos e Silva in “Fernão de Magalhães: um agente secreto ao serviço do Rei D. Manuel I de Portugal?» (obra também eidtada pela By the Book) viria, de facto, a acontecer em 1529 (já durante o reinado de D. João III), mediante o Tratado de Saragoça.
Nas Índias travou várias batalhas históricas, como as de Diu e de Azamor (esta última em que foi novamente ferido, ficando estropiado de uma perna). Regressa a Portugal, onde o rei Dom Manuel I o acusa de negociar com os mouros. Magoado, parte para Sevilha e chega a renunciar à nacionalidade portuguesa. Pode imaginar-se a mágoa sentida por este homem, cujo propósito era o de concretizar uma “aventura inimaginável” e que, em caso de sucesso, mudaria (como mudou) o xadrez comercial estabelecido à época. Em Espanha, Fernão de Magalhães vai falar com Carlos V que, prontamente, apoia a sua proposta para a viagem projetada. Em conjunto com o grande astrónomo português Rui Faleiro e com financiamento assegurado pelo rico comerciante Cristóvão Haro, também ele fiel inimigo do rei Dom Manuel, preparam, incansavelmente, a esquadra que parte de Sanlúcar de Barrameda (porto na Andaluzia), a 20 de setembro de 1519.
Mas, desengane-se quem pensar que o feito se deve somente à coragem ou a pressentimentos do que seria suscetível de ser alcançado. A empreitada assenta num enorme trabalho de cartografia, cujo levantamento o leitor pode ver na obra “Desenhando a Porta do Pacífico “, de Henrique Leitão e José Mária Moreno (também editada pela By the Book). Trata-se de uma preciosa coleção de reproduções da cartografia da época Magalhânica, as mais representativas a nível mundial, que se acham dispersas em museus e arquivos. Foram elas que permitiram a representação de um mundo mais global, tornando possível interligar oceanos outrora considerados intransponíveis
Numa carta de Juan Sebastian de Elcano, ao Rei Carlos I, pode ler-se «(…) mais saberá Vossa Alta Majestade que o que mais devemos estimar e realizar é que descobrimos e percorremos toda a redondeza do mundo indo por Ocidente e vindo por Oriente».
O livro de Manuel Villas-Boas que inspirou o título deste texto, retrata toda a grandeza e todo o novo sentimento e vivência que este abrir de portas (ou de mares) permitiu. Se “novos mundos o mundo viu”, como escreveu Camões, esta viagem de Magalhães proporcionou o encontro com outros povos, com outros universos, com outras realidades da Natureza, com outras riquezas e com outras misérias. O resultado, esse, é perene. Ficou nos anais da História, no batismo de galáxias, em topónimos que marcam a Terra de lés a lés, em novas vivências da Humanidade.
Fernão de Magalhães faleceu em Mactán, Filipinas, no dia 27 de abril de 1521, atingido por uma seta. «Assim morreu o nosso guia, a nossa luz e o nosso apoio», escreveu o cronista.
Texto – Ana Albuquerque (editora)